09/10/2014

A Morte


E se eu morresse amanhã? E se eu morresse para a semana? E se eu morresse para o mês que vem? Vou morrer, sim, mas quando? Dava-me jeito saber pelo menos o dia. Tenho imensa coisa ainda para fazer, para além de plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Não poderia ser isto da morte uma coisa agendada, mais para o meio da semana, que ao fim de semana é uma chatice.

A morte, a inesperada morte. Que ao fim ao cabo é esperada, porque é a única coisa certa que temos enquanto estamos, neste momento a respirar.  Mesmo assim nunca se está preparado para ela. A desgraçada que arruína com as pessoas, que as deixa desamparadas, numa solidão profunda, num misto de emoções, onde nos agarramos? Mas sabemos, enquanto estamos aqui a respirar, que vamos morrer. É a dor que nos invade que nos faz sentir impotentes, incapazes de compreender o porquê da morte nos ter batido à porta e levar quem mais gostamos. Mas sabemos, enquanto estamos aqui a respirar, que vamos morrer. Não é fácil lidar com a perda, o melhor amigo, quer para isto, quer para aquilo, é o tempo, esse cabrão que não se vê, só se sente e que leva tempo, às vezes a chegar. O tempo que passamos com quem cá fica, o tempo que passamos connosco próprios, este é essencial para que consigamos superar qualquer dor. É ele, o tempo, que fará sarar parte da ferida, porque ela nunca fechará. Mas sabemos, enquanto estamos aqui a respirar, que vamos morrer. Nós todos os dias morremos um bocadinho, não é? Mas vivemos como se nada disto acontecesse. Porque é a vida, porque é assim que funciona.

Vamos sempre lamentar-nos de não ter feito, de não ter dito, de não ter ouvido. E se por acaso fizermos isto tudo, vamos sempre lamentar-nos de não ter feito mais. Somos demasiado exigentes, mesmo quando perdemos alguém. Nós estamos mecanizados para ser assim, a expressão “carpe diem” que é mal interpretada, mas na gíria, a sua má tradução funciona, é uma fraude. Nós nunca faremos isso, porque isso requer uma interiorização tremenda e nós não somos capazes.

Sim, eu sei que vou morrer. Digo a alguém todos os dias que gosto dela? Não. Vou cumprir a promessa e visitar o meu melhor amigo? Não. Vou preocupar-me com alguém? Não. Vou abraçar um conhecido? Não. Se calhar farei isso amanhã, ou outro dia, hoje não me dá muito jeito. Sim, eu sei que vou morrer, já disse à minha mãe e alguns amigos que não quero um padre no meu funeral. Mudam a conversa porque acham macabro, poças… mas não é em vida que tenho de dizer isto a alguém? Agora fica escrito.

O mundo lá fora, por aí, as pessoas a mostrarem-se felizes da vida. É o tempo, a solução disto, e é o tempo o problema disto. Mas sabemos, enquanto estamos aqui a respirar, que vamos morrer.


Mó de Moreira

1 comentário:

  1. Não gostei do tema da tua crónica. É um caminho que todos nós temos de percorrer mas não podemos estar a pensar numa morte anunciada, muito menos tu que és ainda muito nova. Essa de não quereres o padre no teu funeral é muito bem pensado "mas isso só daqui a setenta anos"

    Um beijo

    J.C.

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