10/10/2011

Numa ida ao hospital...


O bom de usarmos o Sistema Nacional de Saúde e irmos ao Hospital Público, é levar algumas horas à espera para ser atendido. Ou algumas horas à espera que a pessoa que  acompanhamos seja atendida. Vá, há coisas piores, tipo… agora não me surge assim nada. A última vez que acompanhei alguém, a uma consulta, estava no corredor, onde os gabinetes têm uma placa metálica com as especialidades mais procuradas, acabadas em “logia”. Salvo seja, perdão, com mais pessoas em lista de espera. Plena hora de ponta, auxiliares para trás e para a frente, pessoas a bater à porta: “É aqui que devo entregar o papel?”, "O Sô Dotor tá demorado?", grávidas que já não sabem em que posição estar e os maridos a ler “A Bola”, putos a fugir de um lado para o outro, a perguntarem de minuto e meio, a minuto e meio, se ainda falta muito para ir embora, bombeiros a distribuir o pessoal e a deixar logo bem claro: “Dá tempo de ir levar o Sr. António, que teve alta, a casa, enquanto vocês são atendidos. “ Passou meia-hora. Eis que surge a equipa de voluntários, com o carrinho artilhado com bolachas Maria, café, leite e chá, conduzido por um senhor de cabelo e bigode grisalho, bata amarela, nos pés, uns sapatos meio de gala, mas de borracha, sei lá, estou eu a tentar defini-los assim duma forma simples, para que vocês imaginem, ou não, acompanhados de meia branca, aquilo fazia, entre as calças e o sapato, triângulos brancos perfeitos, que ao dar passos, se mantinham intocáveis, dada a goma nas calças. Do lado do seu pé direito, duas senhoras, também já de tenra idade, a perguntarem do alto das suas mises e batom rosado, “quer uma bolachinha, um cházinho, um cafezinho ou um leitinho?”, tudo assim de rajada. O que faz com que o mais surdo da sala de espera, sim porque há sempre um, peça para ela repetir. Nisto um senhor com o braço esquerdo em gesso, cruza-se com um conterrâneo, que se apressa a dizer: “Tão o que te traz por cá?” A resposta é dada com um ligeiro movimento para cima com o braço. “Ah está partido, pois, tão vá! As melhoras”. E dá-lhe um toque no ombro, do lado doído, para a despedida, à compadre. Vi na cara do senhor, um placar luminoso a piscar: ”Tão não ias tu para o car#$% açasssssss”. Juro. Entretanto lá do outro lado, lado este, uma senhora saca da bucha, outra mete conversa com o casal que se sentou em frente, alguém impa e diz que não aguenta estar tanto tempo à espera, outro espirra e acha que não vai a tempo de tirar o lenço de pano do bolso, porque fica-se já ali. Duas horas e quinze minutos. Volta o bombeiro, que foi levar o Sr. António, para ver se já pode levar outra fornada. Volto-me para o lado oeste, e deparo-me com um senhor dos seus quarenta e picos anos, camisa para dentro, calça vincada e sapatos com berloques ( odeio…), cabelo puxado atrás, ligeiramente penteado para a direita, lambido, senta-se e levanta-se impaciente, enquanto atende de cinco em cinco minutos o iphone, “trate-me lá disso, que eu já não tenho tempo de passar no escritório.” Quando se senta, arregaça as calças. E exibe o iphone, enquanto finge que não está num hospital, no meio do povo. Vejo homens impacientes, que já leram o jornal, trinta vezes e vão fumar de 10 em 10 minutos, enquanto as mulheres estão sentadas com ar de enjoadas e refilam: “Já foste fumar outra vez??”, de 10 em 10 minutos, claro está. Pela minha frente, já passou: gente gira, um nerd, um coxo, dois médicos estagiários ( percebe-se logo ), um intelectual ( livro debaixo do braço, com o autor e o título virado para o mundo. ), um bombeiro estiloso ( uma perna das calças metida nas botas, a outra não ), duas entrouxadas ( quando há uma mistura de padrões, tipo riscas com quadrados, que arrepios ), um menino mau lá do bairro ( vai a passar e a franzir as sobrancelhas às pessoas ) E mais… foram duas horas e cinquenta minutos de “estudo comportamental do ser humano”. O que queriam que eu fizesse, senão havia revistas do mês passado para lêr.

P.S. - Nunca vocês gostaram tanto de ir a um hospital!


Mó de Moreira

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