O bom de usarmos o Sistema
Nacional de Saúde e irmos ao Hospital Público, é levar algumas horas à espera
para ser atendido. Ou algumas horas à espera que a pessoa que acompanhamos seja
atendida. Vá, há coisas piores, tipo… agora não me surge assim nada. A última
vez que acompanhei alguém, a uma consulta, estava no corredor, onde os gabinetes têm uma
placa metálica com as especialidades mais procuradas, acabadas em “logia”. Salvo
seja, perdão, com mais pessoas em lista de espera. Plena hora de ponta,
auxiliares para trás e para a frente, pessoas a bater à porta: “É aqui que devo entregar o papel?”, "O Sô Dotor tá demorado?",
grávidas que já não sabem em que posição estar e os maridos a ler “A Bola”, putos a fugir de um lado para
o outro, a perguntarem de minuto e meio, a minuto e meio, se ainda falta muito
para ir embora, bombeiros a distribuir o pessoal e a deixar logo bem claro: “Dá tempo de ir levar o Sr. António, que
teve alta, a casa, enquanto vocês são atendidos. “ Passou meia-hora. Eis
que surge a equipa de voluntários, com o carrinho artilhado com bolachas Maria,
café, leite e chá, conduzido por um senhor de cabelo e bigode grisalho, bata
amarela, nos pés, uns sapatos meio de gala, mas de borracha, sei lá, estou eu a tentar
defini-los assim duma forma simples, para que vocês imaginem, ou não, acompanhados
de meia branca, aquilo fazia, entre as calças e o sapato, triângulos brancos
perfeitos, que ao dar passos, se mantinham intocáveis, dada a goma nas calças. Do
lado do seu pé direito, duas senhoras, também já de tenra idade, a perguntarem
do alto das suas mises e batom rosado, “quer
uma bolachinha, um cházinho, um cafezinho ou um leitinho?”, tudo assim de
rajada. O que faz com que o mais surdo da sala de espera, sim porque há sempre
um, peça para ela repetir. Nisto um senhor com o braço esquerdo em gesso, cruza-se
com um conterrâneo, que se apressa a dizer: “Tão
o que te traz por cá?” A resposta é dada com um ligeiro movimento para
cima com o braço. “Ah
está partido, pois, tão vá! As melhoras”. E dá-lhe um toque no ombro, do
lado doído, para a despedida, à compadre. Vi na cara do senhor, um
placar luminoso a piscar: ”Tão não ias tu
para o car#$% açasssssss”. Juro. Entretanto lá do outro lado, lado este, uma
senhora saca da bucha, outra mete conversa com o casal que se sentou em frente, alguém impa e diz que
não aguenta estar tanto tempo à espera, outro espirra e acha que não vai a
tempo de tirar o lenço de pano do bolso, porque fica-se já ali. Duas horas e quinze minutos. Volta o bombeiro, que foi levar o Sr. António, para ver
se já pode levar outra fornada. Volto-me para o lado oeste, e deparo-me com um
senhor dos seus quarenta e picos anos, camisa para dentro, calça vincada e
sapatos com berloques ( odeio…),
cabelo puxado atrás, ligeiramente penteado para a direita, lambido, senta-se e
levanta-se impaciente, enquanto atende de cinco em cinco minutos o iphone, “trate-me lá disso, que eu já não tenho
tempo de passar no escritório.” Quando se senta, arregaça as calças. E exibe
o iphone, enquanto finge que não está num hospital, no meio do povo. Vejo homens
impacientes, que já leram o jornal, trinta vezes e vão fumar de 10 em 10
minutos, enquanto as mulheres estão sentadas com ar de enjoadas e refilam: “Já foste fumar outra vez??”, de 10 em
10 minutos, claro está. Pela minha frente, já passou: gente gira, um nerd, um
coxo, dois médicos estagiários (
percebe-se logo ), um intelectual (
livro debaixo do braço, com o autor e o título virado para o mundo. ), um
bombeiro estiloso ( uma perna das calças
metida nas botas, a outra não ), duas entrouxadas ( quando há uma mistura de padrões, tipo riscas com quadrados, que
arrepios ), um menino mau lá do bairro (
vai a passar e a franzir as sobrancelhas às pessoas ) E mais… foram duas horas
e cinquenta minutos de “estudo comportamental do ser humano”. O que queriam que
eu fizesse, senão havia revistas do mês passado para lêr.
P.S. - Nunca vocês gostaram tanto de ir a um hospital!
Mó de Moreira
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